sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mães, esposas, pessoas, cidadãs e prostitutas

Vivemos hoje em uma sociedade de aparências. Para correspondermos as expectativas de terceiros (família, amigos, igreja, companheiro(a), mercado, etc..) Contracenamos quase que a todo instante. Alguém um dia já disse: "o mundo é um grande teatro, e nós os seus atores".

Em meio às encenações eu perdi a naturalidade. Quantas vezes tenho dificuldade de ser eu mesmo, sem precisar observar quem está ao meu redor. Em minhas relações de amizade, dependendo de cada cenário, ora sou o Lucas brincalhão, ora sou visto como alguém sério e introspectivo, e por aí vai.
 
Creio que faço, ou fazemos isso porque não nos damos conta de nosso real valor. Não digo valor que é agregado a nós pelo que fazemos de bom, pelo espaço e posição social que ocupamos, ou ainda pelo que aparentemente mostramos ser, mas falo do valor de ser eu mesmo, com meus conjuntos de esquisitices, que independe de performance.
 
Hoje, pesquisando sobre o perfil das profissionais do sexo da região central da cidade do Rio, tenho conhecido mulheres surpreendentes.
 
Como grande parte da sociedade eu reproduzia o entendimento que prostituta é mulher de vida fácil, de baixa moralidade e dignas de repreensão. Mas conversando com algumas destas pessoas, tenho conhecido mães, esposas, trabalhadoras, religiosas. Mulheres que acordam cedo e pegam o trem lotado para trabalhar, pois estão deixando em casa filhos que dependem delas.
 
Sei que nessa minha fala corro o risco de você achar que estou justificando-as, ou ainda apoiando suas ações, mas o que estou aprendendo com elas é que, por trás da prostituta há uma pessoa, estou tentando enxerga-la além da prostituição, e assim sendo, estou vendo beleza em rostos enrugados na Central do Brasil. Olhando além do que elas fazem, vejo mulheres parecidas com as da minha família. Mulheres que sonham em se casar, mulheres que tem medo da violência, mulheres que discutem política, e acima de tudo, mulheres que se solidarizam com seu próximo.

Não sabemos ainda o que acontecerá através do material que estamos produzindo com a pesquisa, nossa missão e propósito é conhecer o universo dessas mulheres, mais eu já as agradeço, pois elas estão me ensinando, e acrescentando no "meu" cristianismo.

Tenho aprendido com elas que Deus me ama independente do que faço. Independente do sucesso que eu possa ter, ou ainda na cagada que minha vida possa ser, nada disso acrescentará ou diminuirá o Amor Dele por mim.


Obrigado Maria, Patrícia, Fernanda, mulheres...

Lucas Gomes (Jocum Rio)

"Des-graçado" Deus!

Em meio à correria do trabalho pesado, não nos faltou tempo com as famílias para os deliciosos cafezinhos nos finais das tardes. Juntos trabalhamos, rimos e choramos.

Nos últimos vinte dias estive trabalhando na pequena Vieira, vila que pertence ao município de Teresópolis. Lá, mais de oitenta pessoas perderam suas vidas devido à volumosa chuva da madrugada do dia 11 de Janeiro. Quem não perdeu algum membro da família, perdeu no mínimo um grande amigo. A quase dois meses da tragédia, o Anderson chora o luto dos que se foram. Ele perdeu sua esposa e seu único filho, um lindo menino de cinco anos. O Djalma chora a morte do pai e irmãos, a Patrícia chora a perda de sua casa, construída com o suor do trabalho duro na lavoura. O Zé chora a perda das cebolinhas que estavam prontas para serem colhidas, elas alimentariam as famílias da cidade grande, e o que sobraria do fracionado lucro o sustentaria por algum tempo. A Ângela chora porque o governo não tardou em desanimá-la, depois de idas e vindas à Caixa, o aluguel social ainda não está disponível. Outro dia ela assistiu uma reportagem sobre os desabrigados de Santa Catarina, que três anos após a tragédia, alguns dos de lá continuam morando em barracas "provisórias".

Há uns “portadores da verdade” que sobem a Serra com seus carros e caminhões carregados de donativos, interesses e arrogância, que dizem para os Vieirenses: Deus está julgando a Serra, vocês precisam se voltar para Jesus... O Anderson não consegue entender porque que o Deus que ele pensava ser amoroso e misericordioso matou seu filho e esposa. As poucas palavras que sai de sua boca são: Eu não estou entendendo, mas Deus sabe o que faz!

Deus realmente sabe, Ele sabe por que boa parte das pessoas que estão nos abrigos são pobres e negras, Ele sabe!

Nossa fé animista não consola o Anderson e nem confronta as repetidas injustiças. No curto prazo, nossos caminhões e voluntários subiram a Serra, uns com boa vontade, outros com arrogância e respostas prontas, usando a situação de destruição e luto como estratégia para podermos empurrar nossa estranha visão sobre o causo.

Amanhã faz dois meses do acontecido. O cenário mudou completamente, as necessidades são outras. A grande maioria das pessoas já não precisa mais de roupas, água ou cestas básicas. O momento é de reconstrução. Reconstrução da casa da Patrícia, reconstrução do relacionamento entre o Anderson e seu “des-graçado” Deus. É momento de cobrarmos dos que prometeram, é momento de expressarmos o amor e a verdadeira graça do Deus que é Pai e amigo do Anderson, da Patrícia, Ângela, Djalma, Zé...

Lucas Gomes - Rio de Janeiro